quarta-feira, 6 de março de 2013

Centralizador, Chávez deixa país polarizado


Amado e odiado em igual medida, carismático e autoritário, Hugo Rafael Chávez Frías governou a Venezuela pelo voto por 14 anos.

Entre os 45 presidentes da história republicana do país, só foi superado pelo ditador Juan Vicente Goméz, que ficou 27 anos no poder no início do século 20.

Tenente-coronel reformado que ascendeu depois de comandar uma tentativa de golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992, Chávez personificou a reação mais aguda na América Latina à década perdida (1980) e às receitas liberais para a recuperação econômica, nos 1990.

Seu governo forjou dois neologismos: chavismo, com forte intervenção do Estado na economia e sistema político plebiscitário --com pouco apreço por normas de equilíbrio democrático--; e bolivarianismo, fruto da apropriação da herança do libertador da América espanhola Simón Bolívar (1783-1830), significando nacionalismo, regionalismo e anti-imperialismo.

Jacobino, Chávez conduziu sua Revolução Bolivariana como se encarnasse a vontade geral. Centralizador, alijou do governo, por vezes em processos judiciais duvidosos, todos os que ameaçavam lhe fazer sombra, como seu ex-ministro da Defesa e antigo aliado Raúl Baduel.

Lega uma Venezuela menos desigual, de economia mais estatizada e tão dependente do petróleo como a que encontrou ao assumir, em 1999.

Deixa também um país polarizado, no qual seus opositores e apoiadores --estes raras vezes menos do que 50% da população de 29 milhões, 6 milhões dos quais nunca viveram sob outro presidente-- jamais conseguiram encontrar pontos de consenso.

Na América Latina, Chávez inaugurou uma sucessão de líderes que se propuseram a "refundar" seus países com Assembleias Constituintes: o boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa.

Criou a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), que, apesar de ser uma suposta competição por liderança regional com o Brasil, o Planalto sempre viu como algo de fôlego curto.

A despeito de desavenças com Chávez --a mais notória quando ele supostamente incentivou Morales a ocupar a refinaria da Petrobras na Bolívia--, o Brasil foi beneficiado pela intensificação da relação bilateral, que aumentou seu superavit comercial e a penetração de empresas nacionais na Venezuela.

A relação de Chávez com os EUA se tornou mais conflituosa depois que a Casa Branca apoiou a tentativa de golpe contra ele, em 2002. Para os EUA, pesou muito a condenação quase isolada de Chávez à invasão do Afeganistão, depois do 11 de Setembro, e a sobrevida que ele proporcionou ao regime dos Castro em Cuba.

"ALÔ, PRESIDENTE"

A história dos últimos 14 anos mostra que a popularidade de Chávez não flutuou exatamente com os indicadores econômicos --para a parte mais pobre da população, a identificação com o mestiço que ascendeu fora das elites tradicionais prescindiu de ganhos concretos.

Com esse núcleo de partidários fiéis, ele estabeleceu ligação sem intermediários, por meio de cadeias nacionais de rádio e TV e do programa "Alô, Presidente", que podia durar todo o domingo.

Nessas ocasiões, contava piadas, anunciava planos, inaugurava obras, mandava recados para os amigos, atacava os inimigos, demitia e nomeava ministros.

Seu governo foi favorecido pelo aumento do preço do petróleo, do qual a Venezuela tem a maior reserva mundial, segundo a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O barril, que estava em US$ 12 quando ele foi eleito, em 1998, chegou ao ápice de US$ 140. Ontem, ele fechou em quase US$ 91.

Chávez aumentou de início os royalties cobrados de empresas estrangeiras, que depois seriam obrigadas a se associar como minoritárias à PDVSA. Também houve aumento de 315% no valor em dólar das exportações petrolíferas venezuelanas entre 1999 e 2011. Os EUA continuam sendo o maior comprador.

Mesmo assim, o crescimento econômico foi irregular sob Chávez. Houve queda do PIB nos anos iniciais, devido a conflitos com a direção da PDVSA, recuperação a partir de 2004 e nova queda em 2008.

Com aumento de gastos sociais --que passaram de 9,45% para 13,44% do PIB, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina)--, Chávez recompensou seu eleitorado. O índice de Gini, que mede a desigualdade, é o menor na região.

Chávez nasceu em 1954, em Sabaneta, no Estado de Barinas --o segundo de seis filhos de um casal de professores primários. Para aliviar as finanças parcas da família, ele foi criado pela avó, Rosa Inés, na capital regional.

Contava ter sido influenciado por um historiador local, José Estebán Ruiz Guevara, que o teria introduzido a Bolívar e a Karl Marx.

"POR ENQUANTO"

Em 1992, Chávez liderou uma tentativa de golpe. Concordou em se render com a condição de falar aos golpistas em cadeia nacional de TV.

Seu discurso o catapultou à política. "Por enquanto", disse, em expressão que ficou famosa, seu objetivo de tomar o poder não dera certo. Anistiado em 1994, seria eleito em 1998, com 56% dos votos.

É frequente a confusão entre gestos autoritários de Chávez e a Constituição Bolivariana, aprovada em referendo em 1999. Analistas a consideram a Carta mais democrática do país, que descentralizou a administração e criou a possibilidade de convocar referendos revogatórios de mandatos.

Em 2001, com a aprovação da Lei Habilitante, Chávez baixou 49 decretos de reformas econômicas. A Lei de Terras permitia a desapropriação e a redistribuição de terras. Empresários, com apoio da classe média, denunciaram a "cubanização" do país.

No total, 12 eleições nacionais ou regionais foram realizadas sob Chávez. Ele ou seus apoiadores venceram dez.

O mandato iniciado em 2007 marcou uma radicalização das políticas. Ao ser empossado pela terceira vez, prometeu "socialismo ou morte".

Nacionalizou empresas de comunicação e eletricidade e não renovou a licença de um dos principais canais privados de TV, a RCTV. Em 2009, conseguiu, em referendo, aprovar a reeleição ilimitada.

Acostumado a avançar e recuar quando julgava que sua sobrevivência estava em risco, Chávez vinha enfrentando surtos de baixa popularidade desde 2008, quando o crescimento econômico começou a ratear e apagões puseram em evidência a má gestão. A violência urbana também afetou o humor popular.

As últimas pesquisas Datanálisis, no entanto, mostravam uma aprovação superior a 60% em 2012, e ele conseguiu se reeleger em outubro com mais de 54% dos votos.

As relações com a vizinha Colômbia e com os EUA exemplificam a capacidade de Chávez de se reinventar. Refez os laços com o sucessor de Álvaro Uribe, Juan Manuel Santos, e tentou a seu modo uma reaproximação com Obama, sob a insistência de Lula.

Deixar ataques sem resposta não fazia parte de seu dicionário político. Certa vez, respondeu ao bispo Roberto Lücker, que o criticara: "Ele não irá ao céu, vai para o inferno. É um oligarca, que atropela o chefe de Estado. Que Deus o perdoe, ele não sabe o que faz".

Folha

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